CANDINHO
No imaginário popular, quando se pensa em Mazzaropi, o tipo "caipira" é evocado. No cinema, o caipira de Mazzaropi se apresenta pela primeira vez em Candinho, filme produzido pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, lançado em 1954.
O desenvolvimento do “cômico caipira” de Mazzaropi remonta aos anos 1930, em suas primeiras apresentações de teatro mambembe como ator e diretor. Das origens de seu personagem, as inspirações não são fortuitas, tendo sua formação sido diretamente influenciada por seu aprendizado com populares figuras da cultura caipira e sertaneja: Cornélio Pires, grande divulgador da arte caipira no início do século XX, atuando em frentes múltiplas, da música ao cinema; e os irmãos Genésio e Sebastião Arruda, conhecidos artistas do teatro amador paulistano - tendo Genésio se tornado um caipira emblemático na história do cinema brasileiro, por sua participação na comédia musical Acabaram-se os Otários, um dos precursores do cinema sonoro no país, lançado em 1929.
Quando da produção de Candinho, Mazzaropi apresenta uma carreira já bastante sedimentada, tanto em termos de popularidade, quanto em termos de desenvolvimento de seu personagem caipira. Para além dos variados espetáculos de palco dos anos 1930 e 1940, Mazzaropi traça uma trajetória midiática ampla, estreando no rádio em 1946, e atuando nos primórdios da televisão brasileira, no início dos anos 1950.
O sucesso de Mazzaropi em sua vida artística o coloca como um nome apelativo e “seguro” para a empreitada da Vera Cruz na seara da comédia popular. Nos dois primeiros filmes de Mazzaropi, Sai da Frente e Nadando em Dinheiro, o caipira se manifesta, mas não se apresenta em sua forma inequívoca.
Candinho é finalizado nos derradeiros momentos da companhia paulista, que se via em dificuldades financeiras e estruturais em 1953. O filme estabelece alguns marcos na filmografia brasileira: o primeiro caipira de Mazzaropi no cinema; seu terceiro e último filme pela Vera Cruz, dirigido por Abílio Pereira de Almeida; e último filme fotografado pelo virtuoso Edgar Brasil para a companhia produtora de São Bernardo do Campo, um de seus últimos trabalhos no cinema - vítima fatal de um acidente de carro em janeiro de 1954.
Inspirado pelo filosófico conto Candide, ou l'Optimisme, de Voltaire, a premissa de Candinho é a do homem inocente do campo e seu choque ao se defrontar com a metrópole. Mazzaropi faz o papel de Candinho, abandonado pela mãe biológica, criado por uma família de fazendeiros saudosos dos tempos da monarquia. Na fazenda, ele é tratado menos como um filho do que como um empregado. Ainda assim, crê ser feliz, com o afeto da cozinheira, Dona Manuela (Ruth de Souza), apaixonado por Filoca (Marisa Prado), filha do padrasto-patrão, influenciado pelas ideias do polêmico otimista Professor Pancrácio (Adoniran Barbosa). Ao beijar Filoca, Candinho é expulso, rumando para São Paulo em busca da mãe, com quem nunca conviveu, numa jornada na qual o seu otimismo é colocado à prova.
Na imprensa da época, para além dos destaques ao trabalho de Mazzaropi como intérprete, que atua com “sobriedade” e “sempre sob uma filosofia construtiva” - nas palavras de Pedro Lima - elogia-se também, com frequência, as atuações de Marisa Prado e Ruth de Souza. Em seus aspectos “técnicos” o filme é recebido com pouco entusiasmo pela crítica contemporânea, o trabalho de Abílio Pereira de Almeida no roteiro e na direção, sobretudo, mas até mesmo a fotografia de Edgar Brasil. Pedro Lima, bem como outros cronistas, aponta, contudo, o “estrondoso sucesso” de bilheteria do filme em São Paulo, e o grande interesse despertado junto aos frequentadores de cinema do Rio de Janeiro, desde o lançamento do “trailer”.
Como parte da campanha publicitária do filme, são publicadas pequenas crônicas críticas que buscavam traçar a biografia artística de Mazzaropi. Em um desses textos, veiculado no jornal Diário Carioca”, é traçado um paralelo entre Candinho e o Jeca Tatu de Monteiro Lobato. É interessante pensarmos como a profícua relação de Mazzaropi com o personagem de Lobato começa a se estabelecer antes mesmo de 1959, quando pela primeira vez o artista interpreta o Jeca de maneira anunciada.
Referências bibliográficas:
DUARTE, Paulo. Mazzaropi: uma antologia de risos. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009.
MARTINELLI, Sérgio. Vera Cruz: imagens e história do cinema brasileiro. São Paulo: Abooks, 2002.
OLIVEIRA, Luiz Carlos Schroder de. Mazzaropi: a saudade de um povo. Londrina: CEDM, 1986.
SESC. Mazzaropi: a imagem de um caipira. São Paulo: Sesc, 1994.
Periódicos:
O Jornal, 23.02.1954, p. 7, disponível em: http://memoria.bn.gov.br/docreader/110523_05/27049, acesso em: 15.05.2025.
O Jornal, 24.02.1954, p. 7, disponível em: http://memoria.bn.gov.br/docreader/110523_05/27065, acesso em: 15.05.2025.
Diário Carioca, 24.02.1954, p. 7, disponível em: http://memoria.bn.gov.br/docreader/093092_04/22656, acesso em: 15.05.2025.
O Jornal, 06.03.1954, p. 7, disponível em: http://memoria.bn.gov.br/docreader/110523_05/27193, acesso em: 15.05.2025.
A Noite, 08.03.1954, p. 13, http://memoria.bn.gov.br/docreader/348970_05/23233, acesso em: 15.05.2025.